Não há resiliência longe da sua vocação
Vocação é um termo derivado do verbo no latim “vocare” que significa “chamar”. É uma inclinação, tendência ou habilidade que leva o indivíduo a exercer uma determinada carreira ou profissão. Ou seja, é uma competência que estimula as pessoas para a prática de atividades que estão associadas aos seus desejos.
É possível então pensar que a orientação à vocação pressupõe um caminho de plena satisfação onde o talento inato irá suprir quaisquer dificuldades e nos guiará mais facilmente ao que cada um define como sucesso. Há a impressão de que o principal desafio é encontrarmos nossa vocação quando aí sim teremos totalmente definida uma trilha de sucesso espiritual e material. Grande engano: não há vocação que elimine o esforço ou a dor.
De acordo com Sertillanges, em seu brilhante livro A Vida Intelectual, uma vocação não se satisfaz com leituras vagas nem com pequenos trabalhos dispersos. Requer penetração, continuidade e esforço metódico, no intuito duma plenitude que responda ao apelo do espírito.
O exercício de se manter orientado à sua vocação é igualmente ou mais gratificante do que o resultado ao final do caminho. O esforço, a disciplina e o método são objeto de satisfação tal qual a meta que se busca atingir pois existe intrinsicamente um comprometimento de longo prazo. Se, e somente se, esta for a sua vocação, sua bússola.
O escritor Ernest Heminway dizia que certas pessoas tem uma espécie de “código secreto” e que são mais capazes de superar vários momentos de perigo e problemas difíceis. Codificou assim uma verdade axiomática da vocação, a capacidade de resistir, de focar em metas de longo prazo e de transformar o esforço e dor em recompensas parciais ao longo do caminho.
A resiliência é um termo emprestado da física que mede a propriedade natural de alguns materiais em manterem sua estrutura original mesmo quando submetidos a um processo de estresse intenso. É atualmente aplicado no mundo corporativo e nas áreas humanas como o controle que certas pessoas têm de recobrar o equilíbrio após uma experiência de sofrimentos e freqüente pressão.
É sutil, mas resiliência não é a capacidade de se evitar sentir o impacto quando da condição de stress. É a capacidade (aí sim humana) de retornar à condição de equilíbrio após os momentos de dificuldade. Resiliência não é resistência, ou seja, não é uma atitude irracional de um kamikaze espiritual ou de um sádico corporativo, mas de um guerreiro lúcido orientado por sua vocação e com pleno entendimento de sua missão. Resiliência é condição daquele que encontrou e está convicto de sua vocação permitindo assim maior autocontrole, chave da resiliência.
Nos anos 1990, o cientista Roy Baumeister, da Florida State University, resolveu testar se o autocontrole era um recurso ilimitado. Para isso, Baumeister desenvolveu um experimento simples: preparou uma fornada de cookies com gotas de chocolate, e deixou que somente alguns dos participantes os saboreassem. Aos outros, foram servidos apenas rabanetes. Mais tarde, ele pediu ao grupo todo que tentasse responder a alguns exercícios – que, na verdade, eram insolúveis. Ele observou que aqueles que foram forçados a resistir à tentação dos cookies desistiram mais rapidamente dos problemas, ficaram apenas 8 minutos tentando resolvê-los. Por outro lado, aqueles que puderam se empanturrar de biscoitos insistiram nos problemas durante uma média de 19 minutos. A conclusão é a de que nossa habilidade de nos comprometermos com objetivos a longo prazo depende da nossa reserva de disciplina.
Mas se o autocontrole é finito, como alguns indivíduos possuem mais disciplina? Acredito que a vocação é a chave para o autocontrole e para a maior resiliência.
Geneticistas comportamentais já demonstraram que o controle é resultado tanto da genética quanto das influências do meio externo, mas ainda não conseguiram mapear os genes associados a ele. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Ancona, na Itália, está atrás da pista de que algumas variações genéticas da enzima monoamina oxidase-A podem influenciar no controle de inibição, ligado à impulsividade. Mas a boa-nova é que não há nada absoluto. “As nossas capacidades de autocontrole têm uma variável genética, mas que não é determinante. Há bastante espaço para melhorá-lo por meio de técnicas”, diz Daniel Akst, autor do livro We Have Met the Enemy: Self-Control in an Age of Excess.
A vocação nos permite enxergar aquilo que é mais importante e fazer escolhas que para outros são difíceis. Aquele que encontrou sua vocação já entendeu (como alguns de nós) que o sofrimento não é só um meio como também é parte importante do caminho.
Termino com uma frase de Bertold Brecht sobre uma atitude resiliente: “Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são muito bons. Há outros que lutam muitos anos que são melhores. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”. Esses últimos, com certeza, encontraram sua vocação.