
O Lean, o Just in time e a greve dos caminhoneiros

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Hoje ouvi o seguinte comentário em uma grande rede de notícias: “Um dos motivos do desabastecimento e parada das linhas é que as montadoras e outras empresas fazem um controle de estoque através do Just in Time“.
Há uma tendência muito grande em se confundir o que é uma variável que afeta o resultado e a causa raiz de um problema. O fator gerador do desabastecimento não é o Just in Time– é um problema estrutural associado à economia, infraestrutura e logística (nem entrarei nos detalhes). Da mesma forma, não podemos estabelecer que a causa do problema é a falha no cumprimento dos plano de contingência. Por definição, este é um controle e não um fator gerador do mecanismo da falha.
Até mesmo porque é sabido que o nível de estoques na cadeia de fornecimento, principalmente na cadeia automotiva, não é tão Just in Time assim. Ou seja, os estoques estão longe de serem próximos de zero. Ele só estão distribuidos ao longo da cadeia.
Já considerando todo esse cenário complexo, a confiabilidade sobre o estoque de segurança é baixa, impactando num ponto de pedido antecipado e numa reserva maior em caso de problemas. Muitas montadoras, nesse sentido, transferem o seu estoque (em peças) para os seus fornecedores.
A questão é que tudo tem um limite: os estoques são dimensionados para condições normais de temperatura e pressão, por assim dizer. Em cenários que passam do complexo para o caótico, a capacidade de manobra e contenção é bem reduzida. E não há estoque que dê conta de uma greve de tais proporções. Nesse caso, tenderia ao infinito.
O Just in Time é um sistema de produção puxado com alto controle no nível de estoques, pontos de pedido e sistemáticas de reabastecimento com rotinas bem definidas, usado por todos os fabricantes de veículos do mundo. Sem essa sistemática, os resultados nos custos de armazenagem e o impacto no fluxo de caixa seriam piores do que os efeitos de desabastecimento eventuais em momentos críticos.
A principal vantagem dessa prática está na redução de estoques, pois não é necessário disponibilizar um espaço e recursos humanos para tratar deste aspecto. Existe também uma redução significativa dos tempos de preparação, de custos e desperdícios, uma vez que o sistema procura reduzir os gastos dos equipamentos, materiais e mão de obra. Através do sistema Just in Time, há uma melhoria da qualidade do processo produtivo por conta do planejamento e a responsabilidade dos encarregados da produção, sendo que, o único nível aceitável de defeitos é zero, motivando a procura das causas dos problemas e das soluções que eliminem essas mesmas causas. Este modelo de produção também aumenta a rapidez de resposta do sistema pela redução dos tempos envolvidos no processo, pois, através da manutenção de níveis de estoque muito baixos (ou nulos), um modelo de produto pode ser mudado sem que se originem muitos componentes obsoletos. É sabido, por outro lado, que o Just in Time afeta a flexibilidade do sistema produtivo, no que se refere à variedade dos produtos oferecidos ao mercado e à variação da procura a curto prazo. Com certeza existem oportunidades de refinamento e melhoria dessa sistemática, não estou dizendo necessariamente que os estoques reguladores estavam devidamente mantidos – mas isso não justifica uma crítica ao modelo de produção. Este sistema requer que a demanda e os processos de abastecimento e suporte sejam estáveis para que se consiga um balanceamento adequado dos recursos, possibilitando um fluxo de materiais contínuo e suave. Caso a demanda o abastecimento seja muito instável, haverá risco de desabastecimento. Contudo, reforçando, isso não faz o Just in Time um vilão.
Se pensarmos que a busca pela eficiência deve ser impedida dada a complexidade do cenário, perderemos o referencial daquilo que é aceitável e desejável. Com isso, todos perdemos. Torço para que as tratativas para resolução desse problema sejam inteligentes e não façam o rabo abanar o cachorro.