
Design Thinking AIR (Análise do Impacto Regulatório)
A Juul se tornou uma marca tão expressiva de cigarros eletrônicos nos Estados Unidos que acabou sendo comprada por US$ 12,8 bilhões pela fabricante do tradicional Marlboro. Este tipo de aparelho – que produz vapor inalável com nicotina – ganhou mercado ao ser apresentado como uma alternativa aos fumantes que desejam parar de fumar.
Na prática, o cigarro eletrônico passou a atrair também jovens e adolescentes. E, a partir desta constatação, a campanha contra marcas deste novo segmento – em especial a Juul – aumentou exponencialmente na sociedade americana e, consequentemente, no Brasil.
No Brasil, os produtos da Juul, assim como de outros fabricantes de cigarros eletrônicos, têm a venda proibida pela Anvisa. Entretanto, o resultado dessa regulação é questionável: é possível comprar com um clique boa parte do catálogo da marca. Os preços oscilam entre R$ 200,00 e R$ 1.400,00.
Esse é um dos diversos exemplos de como regular e aplicar as regulações é extremamente desafiador no país. Mais do que isso, avaliar o impacto de uma regulação considerando desde a identificação do problema até a comunicação e fiscalização são temas desafiadores em qualquer nação. Principalmente em temas que estão na fronteira do conhecimento da ciência.
Infelizmente, apesar dos esforços, a regulamentação, em absoluto, inibiu a venda e tão pouco permitiu acesso à informação por parte dos usuários. É possível que muitos jovens, especialmente, não saibam da proibição e, havendo demanda no mercado, cria-se um caminho para a pirataria e a eventual perda de qualidade do produto fornecido. Ou seja, há um impacto para a sociedade em função da regulação e da proibição a partir do momento que ela não foi entendida devidamente pela sociedade.
Seguindo nesse mesmo exemplo, a Anvisa justifica a proibição com base no entendimento que o cigarro eletrônico vinha sendo divulgado como uma alternativa ao cigarro convencional, o que é, de fato, preocupante. O problema, segundo a Anvisa, é que não existem estudos que comprovam a segurança na utilização do produto.
Por outro lado, a própria Anvisa informa que os malefícios não são comprovados. Os resultados preliminares de uma pesquisa da faculdade de medicina da Universidade de Nova York indicaram que o cigarro eletrônico poderia aumentar o risco de danos ao coração, pulmões e bexiga. Porém, os resultados não são conclusivos, já que esse tipo de investigação pode levar alguns anos. O desafio, então, dada essa situação, é como tomar a melhor decisão na regulação, comunicar a sociedade e garantir que haja pleno entendimento e concordância.
Afinal de contas, ficam algumas perguntas: Como desenvolver a melhor regulação? Como garantir que ela seja aplicada? Como mapear as partes interessadas? E quais seus impactos? Por definição a regulação é o instrumento por meio do qual o Estado intervém no comportamento dos agentes, de modo a promover aumento da eficiência, de segurança, crescimento econômico e ganhos de bem estar social.
Entretanto, se utilizada de modo inadequado ou sem a devido cumprimento, a regulação pode gerar impactos substanciais aos mercados e à sociedade como um todo, tais como: aumento do preço dos produtos ou serviços, queda de investimentos, barreiras à entrada, barreiras à inovação, altos custos de conformidade ao setor regulado, aumento dos riscos e distorções de mercado. Além disso, a regulação também impõe custos de fiscalização e monitoramento ao regulador. Assim, ela só deve ser criada quando sua existência é justificada.
Reconhecendo a complexidade desse tema, a maior parte dos países desenvolvidos tem dirigido esforços, desde o início da década de 90, à implementação de mecanismos e ferramentas para promover a melhoria da qualidade e do desempenho regulatório. Apesar dos evidentes avanços obtidos na melhoria da gestão dos processos regulatórios nos últimos anos, muitos desafios ainda são apresentados para a efetiva incorporação de todas as partes interessadas no processo.
A Análise do Impacto Regulatório (AIR) é um dos principais instrumentos voltados à melhoria da qualidade regulatória. Consiste num processo sistemático de análise baseado em evidências que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das alternativas de ação disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos. Tem como finalidade orientar e subsidiar a tomada de decisão e, em última análise, contribuir para que as ações regulatórias sejam efetivas, eficazes e eficientes. Inclusive, a Anvisa é uma das pioneiras dessa sistemática entre as agências reguladoras no país.
De forma coincidente com essa demanda da AIR, nos últimos anos os princípios e práticas do Design vêm sendo aplicadas à solução de desafios e problemas complexos, seja na criação de um negócio, no desenvolvimento de um novo produto, serviços ou processos. O Design Thinking é um conjunto de métodos e processos para abordar desafios com foco prioritário na experiência do cliente ou do usuário. É uma abordagem estruturada que privilegia a empatia, a criatividade e a usabilidade.
O Design Thinking pode ser aplicado à AIR fornecendo ferramentas e técnicas para que um grupo de trabalho avalie maneiras de utilizar as informações e interações com as partes interessadas durante todo o processo de melhoria regulatória. Ao envolver os agentes afetados, essa metodologia oferece possibilidades: comunicar informações de maneira mais significativa e compreensível, promover o maior desenvolvimento das opções regulatórias e não regulatórias, integração de inovações sociais e tecnológicas, apoiar interações empáticas entre pessoas e colaboração orientada para o impacto regulatório.
A AIR com uso da metodologia Design Thinking pode garantir um maior aprofundamento da qualidade da análise nas etapas de identificação do problema, identificação dos atores e partes afetadas, definição dos objetivos, construção de alternativas de ação, análise dos impactos, comparação das alternativas, construção da estratégia de implementação, comunicação, fiscalização e monitoramento.
Lembrando que a oportunidade é enorme pois o Brasil possui diversas agências reguladoras além da Anvisa, tais como: Agência Nacional de Águas (ANA), Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Agência Nacional do Cinema (ANCINE), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e Agência Nacional de Mineração (ANM).
Em suma, com a abordagem do Design Thinking e da AIR podemos ressignificar o papel das agências reguladoras saindo de uma mentalidade de regulamentação e fiscalização para uma proposta de valor que foca no ato de entender, construir, comunicar, criar valor, desenvolver consciência, proteger os cidadãos e desenvolver os mercados de forma justa e colaborativa.