
Quer ser mais criativo? Então largue o celular!
Existem diversas definições de criatividade. Por ser algo subjetivo, individual e com medidas relativas e indiretas, é realmente desafiador estabelecermos uma descrição contundente do seu significado. Contudo, como vamos falar sobre esse tema, irei definir como a habilidade mental de produzirmos algo que é novo (original e inesperado) e que é passível de ser aplicado e usado para resolução de problemas.
A criatividade pode ser descritiva, ou seja, percebermos algo novo a partir de informações já existentes e disponíveis que estavam desorganizadas e que, dessa maneira, não estavam servindo para um fim. Através da organização, sistematização e de métodos passamos a perceber mais claramente as relações, os impactos e o foco para ação. A criatividade descritiva emerge da organização e da visualização possibilitando que vejamos algo que não necessariamente é inédito mas que não estava claro, não era óbvio ou não era consenso.
A criatividade também pode ser disruptiva, mais pautada pelo ineditismo e pelo fato novo. Essa criatividade ocorre principalmente em grupos, quando do desafio e a partir da criatividade descritiva emergente. Por mais que não pareça, é sim um processo: ganhamos consciência dos fatos a partir do conhecimento e das experiências acumuladas, atribuímos significado ao desafio e, através de um ambiente seguro, compartilhamos e geramos novo conhecimento.
Para qualquer um dos tipos de criatividade acima descritos, um dos principais desafios é sistematizarmos o processo que dá origem à ideia criativa tornando-a mais natural, repetível, reproduzível e possibilitando que as pessoas se desenvolvam e se tornem cada vez melhores nessa matéria. É natural entender que esse processo é muito particular e depende de diversos fatores.
Felizmente hoje contamos com um grande suporte da neurociência para entender como esse processo ocorre no nosso cérebro de tal maneira que possamos identificar essa manifestação e deduzir os fatores críticos de sucesso. Afinal de contas, quais as condições que favorecem a criatividade?
Em 2005, Alice Flaherty elaborou o modelo dos três fatores que induzem a criatividade com base em investigações através de técnicas de imagiologia cerebral, análise de lesões cerebrais e testes efetuados em pacientes com vícios. Desta forma, Flaherty descreveu o processo criativo como o resultado da interação entre os lobos frontais, os lobos temporais e os níveis de dopamina no sistema límbico. Os lobos frontais são responsáveis pela geração de ideias enquanto que os lobos temporais trabalham, atualizam e avaliam essas ideias.
O que foi possível constatar a partir desses estudos é que picos de depressão ou ansiedade diminuem drasticamente os níveis criativos e os elevados níveis de dopamina os aumentam. A dopamina é acionada quando se dá o primeiro passo rumo a um objetivo e também quando uma meta é cumprida. A melhor maneira de elevar a dopamina, portanto, é definir metas de curto prazo ou dividir objetivos de longo prazo em metas mais rápidas sempre celebrando quando atingi-las. Desafio, meta, escassez de tempo e recompensa parecem ser fatores chaves.
Mais recentemente, em outro estudo de 2013, foi proposto que três redes cerebrais de grande escala são necessárias para uma compreensão holística da neurociência da criatividade: Rede cerebral do controle atencional, rede cerebral da imaginação e a rede cerebral da flexibilidade atencional. Em suma, são sistemas associados ao foco, construção de cenários (imaginação) e controle da atenção respectivamente.
Ao que tudo indica, segundo os modelos mais recentes, para maximizar o potencial criativo é importante, após o ciclo de entendimento do problema (foco) e construção de cenários (imaginação), que você afrouxe suas associações, permitindo sua mente vaguear livremente, imaginando novas possibilidades silenciando sua critica interna. Esse pequeno ócio criativo, dentro de um ambiente seguro, permite que tenhamos aquele momento EUREKA.
O grande ponto – e aí o título desse artigo – é que o uso do celular interrompe esse momento de tranquilidade e ócio. Na verdade, qualquer distração interrompe o processo criativo, mas especialmente vemos o celular ocupando espaço em reuniões, sessões de brainstorming e dinâmicas de planejamento estratégico ou inovação.
Os eventos, dinâmicas e técnicas para criatividade possibilitam que a pessoa (ou o grupo) tenha foco sobre o problema, construa diversos cenários mas, logo após esses exercícios, a primeira coisa é voltar a atenção para o celular para checar as atualizações das redes sociais. Dessa forma, não há espaço para refletir sobre as ideias geradas, acessar outras fontes de informações internas e permitir que as conexões se consolidem sem julgamentos e pressão. É como se o cérebro precisasse de um tempo para absorver todo o conteúdo gerado de uma sessão de brainstorming e, após uma pequena pausa, devolvesse uma resposta a partir de uma consulta que fez em nossa base de dados.
Pense bem: qual foi a última vez que você teve um momento de epifania? Possivelmente após uma atividade física intensa, durante uma atividade física moderada onde não necessariamente estava pensando sobre o problema, tomando banho, após a meditação da manhã ou antes de dormir e logo após acordar. Em qualquer um dos casos era um momento, após já ter pensado muitas vezes sobre o problema, que estava relaxado e não necessariamente focado no desafio.
Infelizmente não temos dado espaço, especialmente no ambiente de trabalho, para esse momento de consolidação do pensamento. Obviamente cada um deve entender como o processo criativo funciona para si e construir esses rituais dentro de cada particularidade.
No ambiente de trabalho vale pensarmos como hoje garantimos que esse processo ocorre, de fato, para nosso time. Afinal de contas, quem não quer um colaborador com boas ideias para a empresa? Avalie como construir de forma efetiva o ciclo de foco, imaginação e ócio e veja se as reuniões e eventos com objetivo de gerar ideias criativas permitem esse movimento completo. Por último, largue o celular quando quiser ter boas ideias.