O que aprendi com meu afilhado de dois anos sobre Gestão de Pessoas
Cena comum para alguns de nós: final de ano com amigos e familiares no interior para alguns dias de descanso. De diferente, a presença do meu afilhado de quase dois anos, uma criança muito querida e amada que tive a chance de observar e interagir por um período maior do que habitualmente sou capaz.
Talvez pelo fato de ainda não ser pai e não viver essa mágica oportunidade cotidianamente, pude observar com um olhar mais racional os detalhes da evolução de seu aprendizado e de suas interações com as pessoas daquele ambiente. Foi quase impossível, dessa forma, não traçar paralelos sobre as formas de estímulo, motivação e aprendizado que vi com meu afilhado e os desafios de liderança de pessoas que enfrentamos nas empresas e instituições.
Para contextualizar, Gestão de Pessoas é o conjunto de estratégias empregadas por empresas para desenvolver seu capital humano. Foi-se o tempo em que as pessoas eram vistas como simples engrenagens que poderiam ser facilmente substituídas dentro de uma organização. Cada vez mais as empresas encaram seus colaboradores como fatores críticos de sucesso.
Por isso, fazer a gestão de recursos humanos não se trata apenas de procurar deixar seus colaboradores satisfeitos e motivados. Mas de criar uma estratégia completa, que envolve toda a organização em busca do desenvolvimento, capacitação e humanização de quem faz parte dela. Ela está apoiada em alguns pilares essenciais tais como Motivação, Autonomia e Comunicação.
E, nesse pequeno período de menos de sete dias, pude acompanhar alguns aspectos sobre os comportamentos que intensificaram e promoveram seu aprendizado de forma exponencial e que fantasticamente podem ser conectados a cada um desses três pilares, com alguns insights:
1) Motivação
A motivação intrínseca é aquela tida como sustentável, de longo prazo e aquela que realmente permite uma transformação das condições, a partir das pessoas, em ambientes complexos.
Meu afilhado (ainda bem) não era estimulado por remuneração, por cargos ou por ameaças (trade-off) . Mesmo assim, para atividades que necessitavam de esforço, coragem e disciplina, a palavra chave é consistência e coerência.
O estímulo motivacional não ocorria somente na contrapartida de uma obrigação cumprida, como por exemplo, sentar para comer. O estímulo ocorria da mesma forma durante as brincadeiras e as atividades menos divertidas ou para pequenas ou grandes vitórias. A comemoração legítima e verdadeira ocorria desde quando ele avisava que tinha feito xixi até quando comia toda comida ou conseguia nadar batendo as perninhas. Isso criava claramente um sentimento de orgulho e pertencimento.
Talvez, ao longo do tempo, perdemos a capacidade de nos surpreendermos e comemorarmos as pequenas vitórias do nosso time. Vale, dessa forma, revisitarmos o quanto os pequenos ganhos são verdadeiramente considerados antes da celebração daquela meta final.
2) Autonomia
Os seus pais criavam um ambiente seguro porém com bastante autonomia. O estímulo era voltado à tentativa e erro e não ao direcionamento objetivo de como fazer algo. Meu afilhado, mesmo à distância, era sempre observado (os pais tem uma capacidade sobre-humana de fazer isso), mas sem que necessariamente ele percebesse.
Ao longo daquela semana, por exemplo, somente por observação e permitindo que ele tentasse, meu afilhado aprendeu a usar a faca para apoiar a comida junto ao garfo. Nesse caso, foi uma surpresa, pois ele não foi estimulado a isso – ele simplesmente aprendeu vendo o que fazíamos à mesa. Ambientes com autonomia permitem criação de conhecimento de forma orgânica, geram ideias criativas e permitem surpresas positivas.
Já vi muitas crianças daquelas mesma idade presas em cadeirões e recebendo comida na boca com colher pelo medo ou falta de confiança (e aqui não é uma crítica, somente uma observação) de que a criança não seria capaz de manipular garfo e faca. Quantos gestores fazem microgerenciamento de forma análoga?
Obviamente, autonomia gera riscos, e antes de mais nada é baseada em confiança, conhecimento e competência. Ambientes com autonomia promovem maior grau de inovação e permitem que seu time tenha maior senso de progressão e protagonismo.
3) Comunicação
No sítio onde estávamos havia uma piscina e obviamente era necessário definir o quanto que meu afilhado poderia ficar conosco nadando. Os seus pais discutiram previamente e definiram conjuntamente que, apesar de alterar um pouco seu cronograma típico, era um momento de divertimento e uma oportunidade para ele aprender ainda mais como nadar (meu afilhado já faz natação há algum tempo). Isso demonstrou como eles adaptaram as regras ao novo ambiente e focaram no planejamento e não em um mero plano estático. Além disso, apesar de ainda não ter nem dois anos, ele foi comunicado que durante a semana poderia ficar mais tempo na piscina do que normalmente fica na natação.
Bons gestores entendem o cenário e definem diretrizes coerentes com as condições de contorno. Capacidade de planejamento e adaptação é melhor que seguir um único plano anual. Dessa forma, com a regra do jogo previamente definida, os pais não desautorizavam, em absoluto, um ao outro. O momento de entrar e sair da piscina ou de conceder mais “5 minutinhos” não deixava dúvidas. O resultado foi que em nenhum momento meu afilhado chorou ao sair da piscina para tomar banho, comer ou dormir. Diretrizes claras e coerentes tornam o ambiente mais seguro e também promovem mais autonomia, evitando perda de energia com negociações vazias ou perda de foco.
Crianças (assim como membros da sua equipe) percebem se a diretriz não está clara criando um ambiente de desconexão e questionamentos. A comunicação do gestor com o time e dentro do próprio time permitem que as diretrizes sejam desdobradas de forma clara e sejam condizentes com a prioridade e as condições atuais. Se as diretrizes são revisitadas e fazem sentido, o time estará mais confortável em segui-las.
O resultado surpreendente é que, em apenas uma semana, meu afilhado aprendeu a mergulhar e nadar com o rostinho dentro da água, fazendo apneia. As novas diretrizes com base em um planejamento considerando as novas condições permitiu, ao fim, o atingimento de um novo objetivo.
Sou grato por ter tido esse pequeno vislumbre do crescimento do meu afilhado junto dos meus melhores amigos – foi um começo de ano com uma forma diferente de aprendizado. Ao longo da semana ocorreram diversos outros exemplos que tratam dos desafios e as maravilhas de criar uma criança. Entendo que podemos olhar com mesmo grau de importância a Gestão de Pessoas, nos atentando aos detalhes e promovendo de melhor forma a motivação, a autonomia e a comunicação.