A insustentável leveza dos Métodos Ágeis
A Insustentável Leveza do Ser é um livro publicado em 1984 por Milan Kundera que foi adaptado para o cinema pelo diretor Philip Kaufman sob o nome de The Unbearable Lightness of Being.
O autor consegue fazer da história, talvez sem intenção, um tratado sobre a vida em suas diversas facetas, tanto leves quanto pesadas. Essa ideia dual é a que está presente nas suas sete partes e é o que dá sustentação ao romance: começando a partir do postulado de Nietzsche acerca do “Mito do Eterno Retorno”, isto é, um conceito que o filósofo resgatou do Oriente, apontando para a hipótese de que o tempo e o universo são infinitos e os eventos que ocorrem são finitos, logo, estes se repetem de forma igual toda vez que acontecem, por toda a eternidade. Certas coisas são o que são.
A partir dessa ideia, Kundera desenvolve a relação entre os conceitos de “leveza” e “peso”. Para o filósofo grego Parmênides o peso possui uma qualidade negativa, enquanto a leveza, positiva. Mas Nietzsche contraria esta ideia, dizendo que, apesar de o peso assumir uma faceta negativa, é ele que confere significado a nossa vida, pois a carimba com um fardo existencialista, daí a “insustentável leveza”. Em suma, como diz Kundera, “quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira”.
Indo além da realidade ficcional tratada no livro e que remonta a sociedade de Praga de 1968, avancemos ao Manifesto Ágil de 2001. Sob a ótica dual entre o pesado e o leve, agora aplicada à gestão de projetos, é possível afirmar que necessariamente os métodos leves são melhores? Se sim, sobre qual perspectiva? E ainda, métodos leves são realmente sustentáveis, ou seja, resistem ao peso das organizações?
Recentemente e, principalmente a partir do Manifesto Ágil de 2001, especialistas e organizações acreditam que a comunidade de métodos formais tem sobrevalorizado a formalização completa de uma especificação ou projeto. Isso parte dos resultados históricos e do aumento da complexidade dos sistemas modelados, tornando toda formalização uma tarefa difícil e dispendiosa. Como alternativa, foram propostos vários métodos formais leves, os quais enfatizam especificações parciais e aplicações focadas.
Assim, métodos ágeis ou leves deveriam ser considerados quando do entendimento da complexidade do escopo, do pouco ou nenhum histórico de boas e melhores práticas e quando da necessidade fundamental da validação sistemática com o cliente ou usuário. Não que no limite priorizar a entrega de valor e a interação com as partes interessadas não devesse ser sempre valorizado. Também não significa que métodos pesados são necessariamente burocráticos ou ineficientes.
A questão é que projetos com muitas dependências tipicamente não conseguem fragmentar valor e entregar pequenas porções funcionais sem arrastar uma série de pré-requisitos . Esses requisitos tendem a demandar controle e especificação. O peso do método, mais do que melhor, é necessário nesse ambiente.
Ou seja, alguns projetos pesados não conseguem ser sustentados por métodos leves, e isso não é demérito. É o que é. Por outro lado, projetos complexos e leves não são ágeis se sustentados por métodos pesados. É o que é. A escolha do ciclo de vida apropriado para a característica do seu projeto é fator crítico de sucesso para uma boa aderência. Não defenda ou critique , em absoluto, métodos como religião.
Ainda falta a segunda reflexão: métodos leves são a prova de organizações e gestores com mentes pesadas? Afinal, sempre dá para adicionar um ponto de controle, uma inspeção e mais um documento para eventual especificação, registro, auditoria ou operação, não é? Afinal, métodos leves são sustentáveis ou insustentáveis?
Já dizia meu avô: “Passarinho que come pedra sabe o #%@$ que tem” . Organizações pesadas, tipicamente burocráticas e com baixa tendência a assumir riscos irão refletir esse comportamento mesmo quando das suas iniciativas “mais ágeis” e sempre sob o argumento, as vezes verdadeiro e as vezes um eco de uma mentalidade conservadora, de que se “tem muito a perder”. Meus amigos, todas as empresas têm muito a perder, principalmente as pequenas que correm o risco de não existirem mais. Muitas vezes o medo em assumir riscos em grandes organizações é de você perder seu emprego, nada mais.
Uma tentação danada é tratarmos a complexidade com mais controles e documentos, e isso pode ser um engano. Controles ao longo do tempo viram processos e aí colocamos um controle sem outro controle – é juros composto. Mais que falta de coragem, é falta de conhecimento e gestão do conhecimento e dos processos na organização.
É difícil (e inocente) imaginar que métodos leves (e na verdade quaisquer métodos) não serão particularizados e adaptados com base na cultura, necessidade, conhecimento e o histórico da organização.
Se as empresas partem de um modelo híbrido e não necessariamente de um método puramente leve (o mais strictu sensu que for possível), não há sustentação da agilidade e sim uma busca constante por ela. Adaptar sem ferir os valores e princípios do Manifesto Ágil é legítimo e saudável, afinal não são métodos altamente prescritivos. Não respeitar as premissas dos métodos leves também não é um crime, é só uma particularidade que deve ser nomeada, entendida e trabalhada. Será totalmente sanada? Possivelmente não.
Dessa forma, além da recomendação da leitura do livro de Kundera, pense que os métodos leves e pesados podem ser bons ou ruins dependendo da característica do projeto. Adicionalmente, dificilmente os métodos leves se tornarão cada vez mais leves, pelo contrário – tendem a ganhar naturalmente mais peso e controle. Assim, sua leveza é insustentável. Há que trabalhar, assim, que sejam bem executados e conscientemente melhorados para que o fardo diminua.