
A conversa entre a equipe de projeto, um Métodocrata e um Métodorista

imagem: shutterstock
O dia é sexta-feira, por volta das cinco da tarde em uma grande multinacional. A equipe do projeto está apresentando o plano de ação para o Black Belt da organização (o métodorista) e para o gestor, cliente do projeto, tecnocrata de carteirinha (o métodocrata). É assim que a conversa se desenrola:
-Boa tarde a todos, gostaríamos de apresentar rapidamente para vocês a nossa proposta de plano de ação do projeto. Como se lembram da última reunião, apresentamos a validação das causas raízes e o resultado das ações imediatas. Hoje traremos a visão do time com possíveis ações estruturantes num total de 30 ações para 10 causas validadas. Resgataremos as causas para se contextualizarem. Como a apresentação é rápida, peço que tentem guardar as perguntas para o final, ok? – disse o membro da equipe de projeto.
-Excelente, vamos lá! – disse o métodocrata olhando para o celular.
-Essa é a parte mais relevante de um projeto, o momento das ações. Tem um frase muito bacana do Bernardinho que vale reforçar: “É importante ter metas, mas o mais importante é termos um plano para alcançá-las” – disse o métodorista abaixando a tela do notebook falando com um tom de voz pomposo.
-Bom, vamos começar passando rapidamente pelo histórico do indicador e nossa meta. Como podem ver, já conseguimos ver o resultado das ações rápidas e…
-Desculpe, mas por quê não fez os gráficos no Minitab conforme havíamos alinhado? Precisamos avaliar se a variação do indicador é suficiente para criar uma causa especial. Além disso, cabe fazermos um teste estatístico para avaliar se a diferença é realmente significativa – disse o métodorista interrompendo o membro da equipe.
-Tivemos um problema com acesso ao Minitab que já está endereçado para a área de TI. Além disso, achamos mais conveniente trazer o indicador no formato que usamos nas reuniões de análise crítica da área – disse o membro da equipe desconfortável.
-Queremos criar uma cultura de melhoria na organização. É importante, nessa fase de aprendizado, utilizarmos esse ferramental estatístico. Quero mostrar para as outras áreas que utilizamos o método. Poderia corrigir e me reenviar o quanto antes? – disse o métodocrata, gerente da área.
-Ok. Bom, vamos seguir para as ações da primeira causa. Como podem ver…
-Causa ou causa raiz? – interrompeu novamente o métodorista
-Desculpe, causa raiz – respondeu o membro da equipe junto de uma respiração profunda. Como podem ver, as ações propostas pelo time para a primeira causa RAIZ vão desde a simplificação do processo atual, eliminando as atividades que não agregram valor como também o desenvolvimento de uma nova funcionalidade em nosso aplicativo. Inclusive, nessa frente já conseguimos realizar um piloto com a diretoria do Fernandes. Os resultados…
-Não estava ciente desse piloto. Quem falou com o Fernandes? Quem autorizou essa ação? – esbravejou o métodocrata.
-Eu mesmo falei com ele. Como o piloto não teve custo e eles já iriam fazer testes de outras funcionalidades, aproveitamos para trazer os resultados. – disse o membro da equipe um pouco assustado com a reação.
-O método prevê que todas as ações do piloto devem ser alinhadas com o gerente, champion de projeto. – disse o métodocrata na defensiva. Além disso, fizeram a avaliação do custo da alteração do aplicativo?
-Não, ainda não fizemos. Só iríamos seguir com as ações após apresentação dos resultados do piloto pois assim podemos definir as prioridades. Existem outras ações nessa frente e por isso precisaremos do seu apoio – respondeu o membro da equipe apontando para o gestor.
-Precisamos seguir os canais formais de comunicação. Quero que me enviem um e-mail descrevendo exatamente cada uma das funcionalidades que estão pilotando. O e-mail com um histórico do projeto, a lista de ações, a expectativa de ganho, a estimativa de custo e uma defesa do motivo dessas ações serem relevantes. Acho que existe um formulário padrão de requisição de alterações. Com isso, enviarei um e-mail para o gerente abaixo do Fernandes. Se ele não responder em pelo menos 10 dias, aciono diretamente ele e escalo. – pediu o métodocrata.
-Ok! Juliana, pode anotar esses pontos para mim? Bom, seguindo com os resultados, passando para o próximo slide conseguimos ver…
-Vocês calcularam o tamanho da amostra para o piloto? Qual o nível de significância e o poder do teste? – interrompeu novamente o métodorista.
-A área do Fernandes tem um padrão do número de usuários que eles testam. Foram 75 usuários nesse piloto. – respondeu o membro da equipe.
-Vou fazer o cálculo rapidamente. Considerando o estimador proporção a 50%, a margem de erro é de quase 12%. De acordo com nosso manual corporativo, a margem de erro para realização de piloto deve ser no máximo 7%. Vocês precisam, pelo menos, de 208 amostras. O método diz que precisamos sempre calcular amostra. Se não fizerem, podem não conseguir sua certificação – comentou o métodorista.
-Também não quero correr nenhum risco de apresentar um resultado não confiável. Ainda mais envolvendo a área do Fernandes. Por favor refaçam e me apresentem o novo piloto o mais rápido possível – reforçou o métodocrata.
-Iremos providenciar. Independentemente, o resultado do nosso piloto…
-Pessoal, infelizmente o tempo da apresentação de vocês terminou. Tenho um outro time para realizar o coaching agora. Vamos puxar uma nova reunião para apresentarem as correções o quanto antes.
-Eu também tenho outra reunião agora. Remarcamos para a minha volta. Estarei fora do Brasil para visitar a nova filial do Chile nas próximas duas semanas. Fico no aguardo. – comentou o métodocrata.
-Ok. Nesse caso, podemos agendar um conference call? É importante para iniciarmos os próximos passos – pediu o membro da equipe em tom de súplica.
-De acordo com o nosso manual corporativo, todas as reuniões de validação de etapa devem ser presenciais – explicou o métodorista.
Eis que o outro time aparece na sala e a reunião é definitivamente interrompida. Não sem antes uma mensagem final do métodocrata:
-Precisamos de celeridade e profundidade nas ações, time. Não gostaria de atrasar ainda mais o projeto. Precisamos buscar formas mais ágeis de conduzir projetos. Ah, antes que eu me esqueça. Percebi que os slides estão sem numeração e a logo e os slides que utilizaram estão fora do padrão definido pela comunicação. Ajustem também. E avaliem uma forma mais executiva de mostrar o material – encerrou o métodocrata saindo da sala.
O time organizou suas coisas, em silêncio, de cabeça baixa. Antes de sair, o métodorista disse:
-Nosso programa de melhoria contínua gera muita visibilidade, aproveitem essa oportunidade. É importante se dedicarem mais, e com mais brilho no olho. Achei a apresentação muito morna.
E o time saiu da sala.